Voz do sucesso ‘Sinais de fogo’, Preta Gil deu início à trajetória como cantora aos 29 anos, com o lançamento do álbum ‘Prêt-à Porter’. Após duas décadas de carreira, a filha de Gilberto Gil morreu no domingo, aos 50 anos, vítima de um câncer no intestino
Por Correio Braziliense
Filha de Gilberto Gil e afilhada de Caetano Veloso, Preta Gil cresceu rodeada por música. O destino da futura cantora parecia óbvio para muitos, porém a estreia como artista só veio aos 29 anos, quando a então produtora e publicitária lançou o álbum Prêt-à Porter, emplacando o primeiro hit da carreira, Sinais de fogo, escrito pela amiga Ana Carolina. O trabalho lançado em 2003 hoje fica marcado como apenas um dos legados deixados pela intérprete, que morreu no último domingo, aos 50 anos, em decorrência de um câncer no intestino.
Entre o Brasil e os Estados Unidos, Preta, por mais de dois anos, travou uma árdua batalha contra a doença, descoberta ainda em janeiro de 2023. No meio tempo, contudo, ela encontrou força e energia para se dedicar à paixão pela música. Em setembro do mesmo ano, a artista lançou Coisas da vida, colaboração com a amiga Ivete Sangalo e a cantora pernambucana Duda Beat e música de abertura do remake da novela Elas por elas, da TV Globo.
Em fevereiro de 2024, Preta estreou o EP De volta ao Sol, trabalho em que colaborou com Psirico, Thiago Pantaleão e o produtor musical Ruxell, que, ao Correio, relembrou a parceria musical com a cantora. “Foi uma honra ter trabalhado com ela nesses últimos cinco anos”, afirmou o artista. “A primeira música que fizemos juntos foi Excesso de gostosura, em janeiro de 2019, e, desde então, ela se tornou alguém que abriu muitas portas para mim”, destacou.
“Ela é uma das pessoas mais generosas que já conheci. Fazia com que todo mundo se sentisse em casa e acolhido, sem fazer nenhuma distinção de gênero, cor e raça. Preta era uma presença de astral incomparável. Foi muito enriquecedor viver esses momentos com ela nos últimos anos, foi algo além do aprendizado musical”, disse o produtor. “Vendo os inúmeros relatos nas redes sociais, fica perceptível que ela transbordava amor de uma forma muito grandiosa. Foi uma honra poder fazer parte da vida dela”, declarou.
Ao lado de Pablo Bispo, os músicos escreveram a faixa que dá título ao trabalho. Em De volta ao Sol, Preta canta versos otimistas, como “Dá a volta por cima/Você não tá sozinha/Joga a tristeza pra lá”. “Esse último trabalho da Preta foi muito importante, porque o nosso objetivo era justamente transmitir um renascimento, para que ela encontrasse novamente a luz e a redenção”, explicou.
Em maio de 2024, a carioca participou do álbum mais recente do conterrâneo Martinho da Vila. Intitulado Violões e cavaquinhos, o disco apresenta uma regravação de dois sucessos do músico, Disritmia e Ex-amor, que ganharam versos cantados no feminino por Preta. Na primeira, ela canta “Vem logo, vem curar tua nega/Que chegou de porre/Lá da boemia” no lugar do conhecido verso “Vem logo, vem curar teu nego”.
Na época do lançamento, Martinho celebrou a parceria com a amiga. “Quando falei com a Preta, ela ficou com uma satisfação danada. Ela tem uma voz linda e cantou maravilhosamente bem. Ficamos muito felizes”, compartilhou o compositor em nota enviada à imprensa. Ela, por sua vez, definiu a colaboração como “uma honra”. “Quando recebi o telefonema para participar com ele, achei que era um trote, mas era verdade. Gravamos dois clássicos dele, ficou lindo, fiquei muito feliz com o resultado. Mas fiquei ainda mais feliz de ter tido a experiência de estar no estúdio com ele, cantando, trocando e dando risada. Para mim, foi muito importante para minha carreira e para minha vida”, exaltou a cantora, ainda em nota à imprensa.
No mês seguinte, a intérprete participou do projeto Microfonado da banda Titãs — nele, ela dividiu os vocais com Branco Mello em uma versão acústica de Como é bom ser simples. “A Preta Gil é uma amiga de muitos anos, que viveu dificuldades muito similares às de Branco durante a superação de uma doença grave”, pontuou Tony Bellotto em entrevista ao Correio à época. “Assistir os dois afirmando a vida, cantando e trabalhando, foi algo muito emblemático”, concluiu o integrante do trio.
Lançado em março deste ano, o último trabalho da cantora foi a gravação de Tudo vai passar, parte da trilha sonora do filme Câncer com ascendente em virgem. Dirigido por Rosane Svartman, o longa é inspirado na história de Clélia Bessa, que enfrentou um câncer de mama e compartilhou a trajetória no blog “Estou com Câncer, e Daí?”, transformado posteriormente em livro. “Se o rio não tem fim/Deságua e vira mar/A gente é correnteza/E tudo vai passar”, Preta canta na faixa.
Após ficar quase dois meses internada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, Preta Gil fez questão de curtir o que se tornaria seu último carnaval em Salvador, neste ano. Na varanda do camarote da família, o Expresso 2222, ela festejou e recebeu homenagens de amigos de quinta a segunda. Na terça, a cantora passou mal e foi recomendada pelos médicos a repousar.
“Só Deus sabe como sonhei e lutei para estar aqui! Carnaval de Salvador, com todo seu axé, magia e poder! Tô aqui pra receber minha dose de cura que vem de vocês”, escreveu a artista em publicação no Instagram. De cima dos trios elétricos, nomes como Ivete Sangalo, Tatau, Ludmilla, Léo Santana e Márcio Victor saudaram a carioca, em declarações emocionadas.
“Minha irmã, você não tem ideia da alegria que é entrar nesse carnaval e dar de cara com você, aproveitando sua vida, porque você vive linda e maravilhosa. Te amo, minha Pretinha”, disse a amiga Ivete Sangalo, que ainda se emocionou ao definir Preta como uma “mulher extraordinária” e um “exemplo inspirador de luta”. “Que sorte da sua família ter uma Preta Gil para chamar de sua!”, exclamou.
A funkeira Ludmilla, por sua vez, exaltou a cantora por ter aberto portas para mulheres negras no meio artístico. “Se hoje estou puxando meu trio elétrico, é porque vi Preta Gil no Rio de Janeiro e percebi que era possível”, garantiu. Na capital carioca, ela deixou marcas no carnaval — a artista criou o megabloco que chegou a liderar o ranking de público da folia de rua da cidade.
Criado em 2009, o Bloco da Preta, durante 11 anos, botou milhões de foliões para correr atrás do trio. Em 2016, o show estreou em Brasília, no estacionamento do ginásio Nilson Nelson. A cantora celebrou o carnaval na presença de um público de 40 mil pessoas, que enfrentaram chuva para prestigiar a artista.
Em abril deste ano, Preta Gil se despediu de forma definitiva dos palcos. A carioca se apresentou com o pai pela última vez, em uma das apresentações da turnê Tempo Rei, que marca o adeus de Gil aos holofotes. Para um Allianz Parque esgotado, os dois, visivelmente emocionados, cantaram Drão, música escrita pelo compositor para a mãe de Preta, Sandra Gadelha, que também estava na plateia.
No mês seguinte, Gil falou ao Correio sobre a emoção de dividir os palcos com a filha. “Preta é uma menina muito extrovertida, muito aberta, alegre, cheia de energia, que escolheu, logo muito cedo, bem menina ainda, por força do ambiente em que vivia, com uma carga de presença musical muito grande da tia, dos tios, dos parentes, da madrinha e da casa cheia de música o tempo todo, a carreira de cantora. Firmou-se. Criou um gosto grande pela diversidade, pelo ecletismo, pela coisa de juntar vários modos de expressão, de canto, de gêneros musicais, e tudo mais”, contou o compositor.
“Ela é essa personalidade, muito expressiva. E tem demonstrado nesse momento da doença, uma grandeza de alma, de modo de compreender a existência, que é exemplar. E tem recebido uma resposta muito grande. É imenso o carinho, o acolhimento que ela vem recebendo no Brasil inteiro, vindo de todas as gerações. São manifestações muito eloquentes o tempo todo na torcida por ela”, afirmou Gil.
Em maio, Preta Gil foi para os Estados Unidos para dar início a um tratamento com medicamentos experimentais, ainda em fase final de estudo. Logo antes da viagem, ela revelou, durante participação no programa Domingão do Hulk, que no Brasil, haviam se esgotado as opções de procedimentos médicos.
Em entrevista à Globonews, Carolina Dieckmann, uma das amigas de longa data de Preta, relatou como foram os últimos dias da cantora. “Quando resolvi ir (aos Estados Unidos), não tinha nada muito grave acontecendo, mas quando cheguei, a situação mudou drasticamente. Nos últimos quatro dias, ela foi indo. A gente queria muito que ela viesse pro Brasil, mas ela estava muito fraquinha. Passei os dias fazendo carinho nela e dizendo que a amava, estávamos debruçados sobre ela, a amando profundamente em todos os minutos. Ela não sentiu dor e estava cercada de muito amor”, garantiu a atriz.
Nas redes sociais, Caetano Veloso lamentou a morte da afilhada. “Pretinha se foi aos 50. Choro desde que soube. Ela era uma das pessoas mais queridas para mim, desde criancinha. Veio muito em minha cabeça a mini canção de Gil sobre Moreno e ela (que eram primos carnais). Muito difícil aguentar. Penso em Gil. Penso em todos. Nem consigo dizer o que sinto”, publicou.
Madrasta e empresária de Preta, Flora Gil informou, por meio de comunicado, que ainda não há previsão de repatriação do corpo da cantora ao Brasil. “Ela será velada na cidade do Rio de Janeiro, onde sua família, amigos e o público poderão prestar suas últimas homenagens. Tão logo tenhamos as informações do funeral, divulgaremos aqui. Agradecemos, mais uma vez, o carinho, o respeito e a compreensão de todos”, escreveu.
Um levantamento feito pela Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados apontou que, no X, até as 9h de ontem, o nome de Preta Gil figurou na 1ª posição dos Trending Topics Brasil das últimas 24 horas, superando 1,26 milhão de menções. Gilberto Gil apareceu na 2ª colocação, com cerca de 112 mil citações. No ranking global da rede, o nome da cantora está em 7º lugar. No Facebook e no Instagram, uma amostra de 22 mil publicações revelou que grandes amigos da empresária, como a atriz Carolina Dieckmann, a apresentadora Angélica e as cantoras Ivete Sangalo e Ludmilla, e os familiares Gilberto e Flora Gil, estiveram no centro das homenagens e mensagens mais engajadas sobre o falecimento.
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