Porta-voz da agência da ONU enfatiza que vacinas salvam vidas e descarta a associação dos imunizantes com autismo. Tarik Jasarevic frisa que não há evidências que vinculem o uso do paracetamol na gravidez a transtornos do neurodesenvolvimento
Por Correio Braziliense
A polêmica sobre vacinas e uso de paracetamol durante a gravidez ganhou força após declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que afirmou que o medicamento estaria relacionado a um aumento significativo do risco de autismo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou contra as afirmações de Trump. Em uma coletiva realizada, ontem, em Genebra, o porta-voz da agência das Nações Unidas, Tarik Jasarevic, destacou que “vacinas salvam vidas” e que “não existe um vínculo comprovado entre o paracetamol e o autismo”.
Além de associar ao analgésico ao transtorno de espectro autista (TEA), Trump solicitou mudanças no calendário de vacinação infantil e afirmou que pessoas que não se imunizaram ou não tomaram remédios não tinham autismo. A declaração do presidente repercutiu, especialmente, porque o secretário de Saúde dos Estados Unidos, Robert Kennedy Jr., defende uma investigação mais aprofundada sobre as causas de uma “epidemia” de autismo no país.
Kennedy, que tem um histórico de posturas céticas sobre vacinas, promete que o governo irá agir para esclarecer as razões do aumento de diagnósticos de TEA. Jasarevic também refutou as alegações sobre a imunização, reafirmando que “vacinas não causam autismo”, e lembrando que alterações no calendário de vacinação podem resultar em um aumento significativo do risco de infecções, tanto para as crianças quanto para a comunidade em geral.
Embora a OMS reconheça que alguns estudos observacionais sugeriram uma possível associação estatística entre uso do paracetamol na gestação e risco aumentado de TEA, a organização enfatizou que as evidências não são consistentes para estabelecer uma relação causal. A comunidade científica também se manifestou ontem. Conforme divulgado pela agência France Presse (AFP), pesquisadores replicaram a alegação de Trump, apontando que as informações disponíveis não confirmam nenhum vínculo entre o uso do remédio e o desenvolvimento de transtornos.
O uso de paracetamol durante a gestação, quando realizado nas doses recomendadas, é considerado seguro por grande parte da comunidade médica. Um estudo publicado na revista Jama, em 2024, com a colaboração de pesquisadores suecos, concluiu que não há nenhuma associação entre o medicamento na gravidez e o aumento do risco de autismo, transtorno de deficit de atenção ou deficiência intelectual.
A discussão sobre os efeitos colaterais do paracetamol na gestação não é recente. Em 2021, um grupo de 100 médicos e pesquisadores publicou um manifesto na revista Nature Reviews Endocrinology, alertando sobre danos do medicamento para o desenvolvimento fetal. O texto sugeria que as grávidas evitassem o remédio, exceto quando indicado por um médico, devido à existência de dados “experimentais e epidemiológicos” que sugeriam a possibilidade de alteração no crescimento intrauterino.
A advertência ganhou destaque, mas também foi alvo de críticas. Muitos cientistas consideraram o alerta excessivamente alarmista, pois os estudos citados não apresentavam conclusões definitivas sobre o risco real do medicamento.
O trabalho que mais alimentou o debate sobre o paracetamol e o autismo foi publicado em 2015 na revista Autism Research. A pesquisa, que analisou dados de saúde de crianças dinamarquesas, concluiu que o risco de autismo aumentava em até 50% entre as crianças cujas mães haviam consumido paracetamol durante a gravidez. Embora os resultados tenham gerado grande atenção, muitos especialistas apontam que a metodologia usada era limitada e que as evidências não eram suficientes.
Conforme o neurocirurgião Amauri Godinho Júnior, do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, é complexo realizar estudos que investigam a possível relação entre o medicamento e o autismo. “A gente começa a se deparar com problemas éticos. Provavelmente você não se sentiria confortável sabendo que seu filho nasceu autista e você estava participando de um estudo de caso controle onde você foi escolhida para usar o paracetamol durante a gestação. Isso pode ter implicações éticas e jurídicas muito importantes. Então, você vê como é a dificuldade para você evoluir em um tipo de estudo desses.”
No entanto, Godinho frisa haver alternativas. “A partir de um estudo observacional, cria-se uma hipótese inicial, isso vai ser testado de várias formas, inclusive com modelos, e concomitante a isso, existe uma pesquisa molecular, bioquímica, que pode justificar aquele achado. O TEA contempla variações muito grandes de acometimento e essa amplitude parece crescer a cada dia.”
Em 2025, uma publicação revisando mais de 40 pesquisas publicadas sobre o tema, na Environmental Health, concluiu que ainda não há provas suficientes para afirmar que o paracetamol tenha qualquer relação com o autismo. Mesmo assim, a pesquisa foi citada por membros da administração Trump como justificativa para a fala do presidente.
Uma análise mais robusta publicada na Jama, também neste ano, incluindo fatores genéticos que podem influenciar o desenvolvimento de autismo, demonstrou que o uso de paracetamol não alterou o risco do transtorno quando comparado entre crianças da mesma família. “Alguns estudos observacionais sugeriram uma possível associação entre a exposição pré-natal ao paracetamol e o autismo, mas as evidências continuam sendo inconsistentes”, afirmou a Organização Mundial da Saúde, ontem.
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