Em episódio inédito na relação diplomática entre os países, presidente dos EUA ameaça impor sanção tributária aos produtos brasileiros por suposto desequilíbrio comercial e por enxergar perseguição do Judiciário ao ex-presidente
Por Fabio Grecchi Via Correio Braziliense
Por meio de uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente Donald Trump, ameaçou impor uma tarifa de 50% aos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos e ameaçou o Supremo Tribunal Federal (STF) em função do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por uma tentativa de golpe de Estado, depois das eleições de 2022. Trata-se do ápice de uma crise que começou a escalar depois da cúpula do Brics, que se encerrou no fim de semana passado, quando os países debateram a possibilidade de, a longo prazo, substituírem o dólar por moedas locais em transações comerciais. Lula reagiu por meio de postagem no X (antigo Twitter) mais uma vez rebatendo a ingerência do governo de Washington.
Horas antes, a crise subiu mais um degrau em função da nota, emitida pela Embaixada norte-americana, também defendendo Bolsonaro. O texto afirma que ele é um “amigo” dos Estados Unidos e deixava clara a possibilidade de as ameaças dos EUA se elevarem ainda mais de patamar — tanto que o comunicado fecha frisando que “não comentamos sobre as próximas ações do Departamento de Estado em relação a casos específicos”.
A carta de Trump, porém, pegou o Palácio do Planalto de surpresa. O cálculo, até então, era de que a situação se amenizaria apenas com a convocação do encarregado de negócios da Embaixada, Gabriel Escobar — a representação diplomática está sem embaixador —, pelo Ministério das Relações Exteriores para explicar o teor da nota. O documento do presidente norte-americano foi publicado, também, na rede social que controla, a Truth Social.
Só que havia indícios de que Trump pudesse mergulhar na defesa de Bolsonaro, depois das publicações na Truth Media. Em entrevista, Steve Bannon — que depois de ser banido da Casa Branca, no primeiro mandato, voltou a se aproximar do presidente — afirmou que haveria uma reação contra o país. O comentário foi feito horas depois de entrevistar o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos EUA em busca de apoio por sanções ao Brasil, em seu canal na internet.
No documento, Trump mistura questões políticas e econômicas, mas, sobretudo, distorce vários episódios. Sobre Bolsonaro, afirma que a forma como ele vem sendo tratado “é uma vergonha internacional”, considera que “esse julgamento não deveria estar ocorrendo” e classifica o fato de ser réu como “uma caça às bruxas que deve acabar imediatamente!”. O ex-presidente vem respondendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) com todas as garantias previstas na Constituição e, sobretudo, com o direito à plena defesa, exercida por advogados constituídos por ele mesmo.
Pelo tom da carta, Trump tenta interferir no processo, pressionando no sentido de que seja interrompido em benefício de Bolsonaro. Afirma, ainda, que se fez “ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres” — o presidente dos EUA repete um argumento dos bolsonaristas de que os pleitos presidenciais, de 2022 e de 2018, teriam sido fraudados, embora o ex-presidente brasileiro e alguns dos seus auxiliares jamais tenham provado a ocorrência de qualquer irregularidade.
Mas esse não é o único ataque de Trump ao STF. Ele afirma, no documento, que a Corte viola “a liberdade de expressão dos americanos”. O processo na Justiça do estado norte-americano da Flórida movido pela Trump Media, controladora da Truth Media, e pela plataforma de vídeos Rumble, contra os bloqueios determinados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, não tem alcance ou ingerência sobre a lei brasileira. Da mesma forma, o alcance da ordem do magistrado é somente o território nacional e não impede quem esteja no exterior de postar qualquer conteúdo nas duas redes.
Trump também fala na carta que o “Supremo Tribunal Federal do Brasil emitiu centenas de ordens de censura secretas e ilegais a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro”. Além da Truth Media e do Rumble, o presidente norte-americano faz menção indireta ao bloqueio do X, em 2024, que desrespeitou a determinação de Moraes de retirar publicações de bolsonaristas que atacavam o Estado Democrático de Direito e ameaçavam os ministros da Corte — e, na sequência disso, retirou os representantes legais no Brasil. Depois da decretação de multas por ignorar as ordens judiciais e do bloqueio das contas bancárias da Starlink — empresa de internet por satélite do mesmo grupo controlador do X —, a rede restabeleceu a representação jurídica e pagou R$ 28 bilhões para poder funcionar em território nacional.
Depois de conectar questões políticas e econômicas, Trump anuncia na carta que “a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos, separada de todas as tarifas setoriais existentes. Mercadorias transbordadas para tentar evitar essa tarifa de 50% estarão sujeitas a essa tarifa mais alta”. Mas vai além, afirmando que há um desequilíbrio nas relações comerciais entre os dois países.
“Tivemos anos para discutir nosso relacionamento comercial com o Brasil e concluímos que precisamos nos afastar da longa e muito injusta relação comercial gerada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Nosso relacionamento, infelizmente, tem estado longe de ser recíproco. Por favor, entenda que os 50% são muito menos do que seria necessário para termos igualdade de condições em nosso comércio com seu país. E é necessário ter isso para corrigir as graves injustiças do sistema atual”, salienta.
Apesar de, no ano passado, as exportações brasileiras para os EUA totalizarem US$ 40,3 bilhões pela primeira vez na história das trocas entre os países — segundo o Monitor do Comércio Brasil-EUA, publicado trimestralmente pela Amcham Brasil, o volume exportado atingiu inédita 40,7 milhões de toneladas, crescimento de 9,9% em relação a 2023 —, a balança continua superavitária para Washington. De acordo com dados do Departamento de Estado norte-americano, o lucro dos EUA em 2024 foi da ordem de US$ 7 bilhões somente em bens e, somados aos serviços, chegou a US$ 28,6 bilhões no ano passado.
Os setores industriais e comerciais reagiram imediatamente à ameaça de Trump. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), “as medidas já implementadas, bem como aquelas anunciadas, têm a capacidade de impactar negativamente a produção e o emprego no Brasil. No entanto, as empresas e os consumidores norte-americanos também sofrerão com alterações de fornecimento e aumento de preços internos. Neste momento de crescente incerteza, a Fiesp apoia a opção adotada pelo governo brasileiro de priorizar o diálogo, com vistas à construção de alternativas negociadas para essa situação que prejudica ambos os países”.
Segundo José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a tarifa de 50% inviabiliza o comércio de manufaturas com os EUA e, numa primeira reação à medida, devem haver a suspensão das vendas ao mercado norte-americano. Já a Frente Parlamentar da Agropecuária, que reúne os deputados e senadores representantes do agronegócio, emitiu nota afirmando que a taxação anunciada pelo presidente do EUA “representa um alerta ao equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países”. Para o presidente-executivo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, a taxação de 50% para todos os produtos brasileiros exportados para os EUA são “um grande balde de água fria para o setor calçadista brasileiro”.
Um ponto comum entre todas as entidades é a exortação à intervenção da diplomacia brasileira para a reabertura dos canais de negociação e a reversão da crise.
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