Casos no Centro-Oeste superam todo o ano anterior; especialistas apontam como fatores de contribuição mudanças climáticas e falhas no controle do vetor. Eles defendem o uso de novas tecnologias
Por Rafaela Bomfim via Correio Braziliense
Acendeu a luz amarela no Brasil, após o alerta global da Organização Mundial da Saúde (OMS), para o aumento acelerado dos casos de chikungunya em 2025, com risco de uma nova epidemia.
De acordo com o Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde, em 2025, até 29 de agosto (semana epidemiológica 35), foram notificados 119.923 casos prováveis, com 110 óbitos confirmados e 70 em investigação.
Apesar de representar redução de cerca de 55% em comparação ao mesmo período de 2024, o volume ainda é expressivo e mantém o alerta para circulação intensa do vírus. O coeficiente de incidência no período foi de 56,4 casos por 100 mil habitantes. Segundo os especialistas, os dados permanecem preocupantes, O receio é que os números se aproximem daqueles observados em 2024, quando se confirmaram 267.352 e 161 mortos — incidência de 125,1 casos por 100 mil habitantes.
No final de julho, a OMS comunicou que os sinais atuais, no mundo, são semelhantes aos observados antes de grandes surtos registrados há duas décadas. Os especialistas citam como exemplo a baixa imunidade coletiva em diversas regiões e a expansão do mosquito transmissor para áreas em que antes não havia circulação. A transmissão ocorre pela picada das fêmeas infectadas do Aedes aegypti e do Aedes albopictus — conhecido como mosquito-tigre, que, segundo a OMS, tem sido encontrado com frequência no norte do planeta por causa do aquecimento global. A única alternativa, segundo os pesquisadores, é a adoção de medidas emergenciais e estratégicas, visando o médio e o longo prazo.
César Omar, doutor em medicina tropical e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), explica que a adaptação do vetor contribui para a expansão da doença. “Os Aedes, principalmente o Aedes aegypti no Brasil, estão chegando a áreas onde não existiam. Eles se adaptaram. Antes precisavam de água limpa e sombra. Hoje podem se reproduzir em águas não totalmente limpas e locais ensolarados. Além disso, os ovos resistem por meses”, afirma.
Para o especialista, é urgente a tomada de medidas que visam controlar os impactos das mudanças climáticas em curso no planeta. “A combinação de calor e chuva favorece a proliferação. Com o aquecimento global e cidades muito povoadas, a densidade de mosquitos cresce. Um único caso importado pode gerar milhares de infectados se houver vetor disponível”, reforça Omar.
Além das condições ambientais, a ausência de imunidade populacional amplia o risco. André Siqueira, pesquisador da Fiocruz e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, ressalta: “Grande parte da população mundial nunca teve contato com o vírus. Quando ele entra em uma área com mosquito disponível, a taxa de ataque é alta. O resultado são surtos rápidos e amplos”.
No Brasil, pelos dados do Ministério da Saúde, a maior concentração de casos em 2025 está no Centro-Oeste, com mais de 64 mil casos, do total de 119.923. Os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são os mais alarmantes, o que levou ao reforço de ações de combate ao mosquito transmissor da doença.
Com a resistência do Aedes aegypti a inseticidas, as medidas de controle continuam centradas na eliminação de criadouros, manutenção de caixas d’água tampadas e descarte correto de materiais que acumulam água, como pneus e garrafas. A OMS orienta ainda proteção individual, com roupas compridas, repelentes e mosquiteiros, principalmente no início da manhã e no final da tarde, quando o mosquito é mais ativo.
Para Siqueira, a prevenção continua sendo fundamental. “O combate ao mosquito ainda depende da eliminação de criadouros. O Aedes aegypti é resistente aos inseticidas. Enquanto tecnologias como a Wolbachia não alcançam cobertura ampla, é preciso manter campanhas para evitar água parada”, destaca.
Diante da explosão de casos no ano passado, o Ministério da Saúde lançou, em setembro de 2024 ainda sob a gestão de Nísia Trindade, o Plano de Ação para reduzir o impacto de arboviroses como a chikungunya, com foco na integração entre estados e municípios e adoção de medidas preventivas antes do pico de transmissão no ciclo sazonal 2024/2025.
Com a escalada dos casos, novas tecnologias surgem como aliadas no controle do vetor. Uma das principais é o Aedes do Bem, desenvolvido pela Oxitec, que utiliza mosquitos machos geneticamente modificados para reduzir a população do transmissor. Para os especialistas, as alternativas de combate à expansão da contaminação passam por vigilância contínua, pelo diagnóstico rápido e pela integração entre prevenção, inovação tecnológica e participação da população para evitar que a chikungunya se torne uma epidemia maior nos próximos meses.
Paralelamente, a Oxitec atua na ação direta para reduzir a população dos mosquitos transmissores da doença. “Os mosquitos liberados não picam e, ao acasalar com fêmeas locais, passam uma característica que impede a sobrevivência das descendentes fêmeas, responsáveis pela transmissão”, explica Natália Verza Ferreira, doutora em genética e diretora da Oxitec no Brasil.
A pesquisadora reforça a simplicidade da tecnologia: “Quando usamos o Aedes do Bem, basta adicionar água. Não é necessário equipamento especial ou nebulização. Isso permite que municípios com pouca estrutura adotem a solução”.
Outra estratégia é a introdução da bactéria Wolbachia nos mosquitos, que reduz sua capacidade de transmitir arboviroses. Em um projeto-piloto realizado em Niterói (RJ), em 2020, áreas onde a bactéria se estabeleceu registraram 56% menos casos de chikungunya em comparação com regiões sem intervenção.
Para César Omar, doutor em Medicina Tropical e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), é fundamental a corrida contra o tempo. “É importante acelerar processos de aprovação e implementação de novas tecnologias. Elas já mostraram resultados positivos e podem complementar as ações tradicionais, como eliminação de criadouros.”
A chikungunya causa febre alta, dores articulares intensas, manchas vermelhas na pele e coceira. De acordo com o Ministério da Saúde, as dores podem persistir por meses, impactando a qualidade de vida do paciente. A doença ameaça, sobretudo, idosos e pacientes com comorbidades – hipertensão, diabetes, sobrepeso, cardiopatas, entre outros – que apresentam maior risco de complicações graves.
Apesar de existir uma vacina, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a imunização ainda não está disponível de forma ampla. “Na Europa, essa vacina foi suspensa para pessoas acima de 60 anos por eventos adversos. Isso é um problema porque os idosos são justamente os mais suscetíveis a formas graves”, afirma César Omar. Os esepcialistas lembram que a prevenção permanece sendo a melhor orientação.
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