Por: Morillo Carvalho, editor Clube.FM
Chalana é dessas canções sertanejas que a gente ouve e sabe que foi feita em um local específico. No caso, o Pantanal brasileiro.
Inezita Barroso, a cantora mais longeva do gênero, dizia que “é a música símbolo do Pantanal”. Tonico, da dupla com Tinoco, que “é a música mais importante do Pantanal”. Almir Sater disse que “foi a primeira fusão das músicas brasileira e paraguaia”.
Fato: Chalana ficou muito famosa na voz de Sater, que disse “quem me dera” para quem acha isso – mas fez bastante sucesso com a canção quando a gravou em 1990, época da primeira versão da novela Pantanal.
Na verdade, Chalana foi composta em 1943, em Corumbá (MS), cidade que fica às margens do Rio Paraguai e é onde está o maior porto da região Centro-Oeste.
Muita gente é capaz de cantar “lá vai uma chalana, bem longe se vai… Navegando no remanso do rio Paraguai”, agora na voz da rainha do sertanejo, sem saber o que é uma chalana. Se você é uma dessas, olha aqui uma!
Escolhemos esse vídeo por tem tudo a ver com o clima da novela e da música. Chalana é uma embarcação de passeio, que pode ter dois andares ou ser simples como a “Zé Leôncio”, do vídeo, e também nome do protagonista de Pantanal.
E é uma chalana navegando pelo rio Paraguai, como na canção, e na mesma cidade onde o autor a compôs. Por falar em autor… O compositor foi Mário Zan, um italiano que veio morar no Brasil aos quatro anos de idade.
Muitos mitos surgiram em torno da música: diziam que ele jamais havia pisado no Pantanal e que era cego. A verdade, ele próprio explicou ao veterano jornalista José Hamilton Ribeiro, em 2001, numa reportagem para o Globo Rural.
A fama de cego veio do fato de que um outro sanfoneiro, Mario Gennari Filho, que começou na mesma época que ele, não enxergava. Então, dois Mários, os dois sanfoneiros, o povo confundia… Em 43, 44, Mário Zan veio a Corumbá numa série de shows que fazia em cinemas. Primeiro passava um filme e, depois, vinham os artistas. Não havia avião nem estrada para Corumbá nessa época, a pessoa ia de trem até Porto Esperança, ali pegava um navio veterano da Guerra do Paraguai e subia o rio até Corumbá. A viagem durava um dia e uma noite. O navio seguia rio acima e só voltava dias depois.
José Hamilton Ribeiro, na reportagem
O sucesso da música foi tamanho que “chalana” foi como toda embarcação passou a ser chamada por lá.
Mas, na época da composição, eram apenas os barquinhos parecidos com esse aqui, diferentes das canoas, que são feitas com um único tronco de árvore escavado:
Chalana é nome espanhol, e Corumbá fica na tríplice fronteira com Bolívia e Paraguai, onde a língua oficial é a espanhola. As influências são grandes na região.
A letra de Chalana fala que, sem querer, ela aumenta a dor de quem canta, porque “nessas águas tão serenas vai levando meu amor”. Bom, primeiro é importante destacar que as águas do rio Paraguai, pelo menos ali em Corumbá, não são nem um pouco serenas: é um rio caudaloso e de águas bastante movimentadas. Mas… De onde o autor via o rio, ao observá-lo ao longe, o leito até parece manso.
A música ainda diz que “a chalana vai sumindo lá na curva do rio”. Na reportagem do Globo Rural de 2001 sobre a canção, Mário (autor) e José Hamilton (jornalista) encontraram a janela do hotel onde o artista se hospedou e via o rio, a chalana e a curva, levando embora o seu amor: “e assim ela se foi / e nem de mim se despediu”, “e se ela vai magoada / eu bem sei que tem razão / fui ingrato, eu feri o seu pobre coração”.
E quem era?
Sim, Mário Zan, que tinha 81 anos quando esteve em Corumbá para gravar essa reportagem, ainda guardava o retrato da amada, com quem teve um namorico, e que o deixou, inspirando a composição de Chalana!
Depois disso, casou-se sete vezes e, em 2006, aos 86 anos, faleceu ao sofrer três paradas cardíacas. Mas o amor, de que tanto sabia… Este transcendeu a vida: antes de morrer, passou a visitar o Cemitério da Consolação, em São Paulo (SP), porque se deparou, certa vez, com o túmulo de Domitila, a Marquesa de Santos, completamente abandonado. Ao descobrir que, para além de amante de Dom Pedro II, Domitila se casou, criou dignamente cinco filhos e, quando estava idosa e viúva, vendeu todos os bens e os doou para ex-escravizados, Mário Zan se apaixonou por essa história.
Passou a cuidar de seu túmulo, levar flores, e comprou um túmulo em frente ao da Marquesa. Foi lá que foi sepultado, deixando cinco filhos, 11 netos, cinco bisnetos e muitos recordes musicais: das 100 canções que compôs, pelo menos um terço foram gravadas por nomes como Almir Sater e Roberto Carlos. E em 1954, vendeu mais de 10 milhões de cópias de discos de 78 rotações com o hino São Paulo Quarto Centenário. Nem em todo o país havia 10 milhões de tocas-discos…
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