Medicamento Elevidys foi utilizado como tratamento da distrofia muscular de Duchenne em duas crianças de Porto Alegre
Por Bianca Luca via Correio Braziliense
Pela primeira vez no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) aplicou duas infusões do medicamento Elevidys (delandistrogeno moxeparvoveque). O remédio foi estabelecido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) no valor de comercialização de cada dose em R$ 17 milhões, sendo o mais caro do país.
O Ministério da Saúde definiu o uso do remédio a partir de uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) para a administração do Elevidys a pacientes que atendem os critérios de recebê-lo. Duas crianças receberam as infusões no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), unidade referência do SUS no tratamento de doenças raras.
O medicamento foi desenvolvido para estabilizar a função muscular, indicado para crianças entre 4 e 7 anos de idade. Os primeiros pacientes a recebê-lo sofriam de distrofia muscular de Duchenne. O SUS se responsabilizará pela continuidade do tratamento e acompanhamento de saúde dos pacientes.
Segundo o Ministério da Saúde, o SUS conta com 36 serviços de referência em doenças raras. Destes, 13 foram habilitados nos últimos dois anos, incluindo o primeiro da região Norte, impactando na expansão do atendimento dos pacientes em todo o país. Houve um aumento de 40% no número de consultas e exames ambulatoriais entre 2022 e 2024, passando de 29.931 para 41.670 registros.
“Essa experiência nos mostra que o SUS pode estar na vanguarda no que se refere à capacidade que sua rede tem de absorver tecnologias que envolvem alta complexidade em termos de organização e processos”, ressaltou o coordenador-geral de doenças raras do Ministério da Saúde, Natan Monsores
A distrofia muscular de Duchenne é uma doença genética rara que atinge principalemente crianças do sexo masculino. A alteração genética rara é caracterizada pela falta ou alteração de uma proteína no músculo, a distrofina, que causa o principal sintoma da doença: fraqueza muscular. A condição pode levar à perda progressiva de habilidades motoras.
O uso de corticoides era o único tratamento disponível no Brasil para retardar a progressão dos sintomas até o Elevidys. “A gente não espera que o tratamento vá reverter aquela perda de força que o paciente tem. É muito importante dizer para as famílias que não é uma cura. Até agora, os estudos mostram que o medicamento é capaz de estabilizar ou de atrasar a progressão da doença, mas a duração do efeito ainda é limitada”, disse a neurologista infantil Michelle Becker, responsável pelo Ambulatório de Doenças Neuromusculares do HCPA, em conteúdo divulgado pelo Ministério.
De acordo com o material do governo federal, para Alessandro Neves, pai de uma das crianças que recebeu a infusão, a possibilidade de estabilização é positiva: “Não sei se, daqui a pouco, essa medicação pode ter um efeito mais longo. Ainda não há evidências, mas só de estabilizar, a gente se sente abençoado. E, mais para frente, se tiver algum (medicamento) que seja realmente a cura, a gente ganha um pouco mais de tempo com essa aplicação.”
O medicamento de terapia gênica visa atuar na doença de origem por meio de um vetor viral — vírus incapaz de causar doenças usado como transporte — e entrega uma cópia funcional do gene que produz a distrofina na célula, que compensa o gene defeituoso causador da condição. Então, a liberação da proteína e a função muscular são restauradas de forma parcial.
Foi da Alemanha que o Elevidys foi importado, chegando no Aeroporto de Guarulhos (São Paulo) em 8 de fevereiro. No dia 11, o remédio seguiu para o hospital em Porto Alegre, e foi aplicado nos pacientes dos dias 12 e 13 de fevereiro. O medicamento foi armazenado a -80º, processo de aplicação que durou cerca de duas horas do preparo até as infusões.
O fármaco foi criado pela Sarepta Therapeutics e aprovado pela Anvisa para crianças deambuladoras (capazes de andar) de 4 a 4 anos. É administrado em uma única dose intravenosa de quantidade ajustada de acordo com o peso do paciente.
Segundo o Ministério, o registro do medicamento na Anvisa é de caráter excepcional, condicionado ao monitoramento do uso e válido até 2029, cuja renovação depende do cumprimento de requisitos específicos. Uma vez que as evidências disponíveis ainda são limitadas e o tratamento tem sido debatido pela comunidade científica, o Ministério solicita dados adicionais dos benefícios da terapia ao laboratório produtor.
O professor Jonas Saute, vinculado aos serviços de Genética Médica e Neurologia do HCPA, explica que é “fundamental que seja monitorado para que os dados desses pacientes possam auxiliar a definir se realmente está havendo eficácia para que isso ajude a pautar novas políticas públicas para esse tipo de terapia”.
Em janeiro, a farmacêutica Roche, produtora do remédio, entrou com um pedido na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) solicitando a incorporação oficial do Elevidys no SUS. Após análise, o Ministério da Saúde tomará a decisão final, se recomendado pela comissão.
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