

Casos de meningite voltaram a crescer no país, com mudanças no perfil da doença e aumento das formas bacterianas mais graves. Profissionais alertam que o diagnóstico rápido e a vacinação, essenciais para evitar mortes e sequelas severas
Por Correio Braziliense
A meningite — inflamação das membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal — é uma doença que pode evoluir rapidamente e causar sequelas irreversíveis. A forma meningocócica, provocada pelo meningococo, é uma das mais graves e tem letalidade global de cerca de 10%, podendo deixar sequelas permanentes em até 20% dos sobreviventes. Dados recentes, divulgados pelo Ministério da Saúde, indicam aumento dos casos no Brasil desde 2022, com destaque para o crescimento das meningites bacterianas, que voltaram a ocupar o primeiro lugar entre as mais graves.
Além do avanço epidemiológico, especialistas reforçam que o cenário exige atenção redobrada para prevenção, identificação precoce de sintomas e vacinação completa. “O objetivo global é reduzir 50% das meningites bacterianas preveníveis por vacina e 70% das mortes por essas mesmas formas, além de melhorar a qualidade de vida após a doença”, explica Ana Medina, líder médica de vacinas da GSK. Ela destaca que o país vive hoje um aumento de casos — inclusive mais elevado até setembro de 2025 em comparação ao mesmo período do ano anterior.
O Brasil também enfrenta mudanças importantes no comportamento da doença. Segundo Medina, houve alteração de sorotipos após a pandemia e uma inversão na faixa etária mais atingida em alguns países, embora os bebês continuem sendo o grupo mais vulnerável. “As bacterianas são as que mais preocupam porque têm maior gravidade e evolução muito rápida”, afirma. A especialista reforça que a vigilância e o atendimento imediato são cruciais: “A gente só consegue lutar contra aquilo que conhece”.
Entre as histórias que ilustram essa urgência está a de Pedro Pimenta, fundador da Da vinvi Clinic, que enfrentou meningite meningocócica aos 18 anos. Saudável, esportista e no auge dos estudos para o vestibular, Pedro não imaginava que sintomas parecidos com uma gripe pudessem esconder uma infecção tão agressiva. “Os sintomas vieram de forma sorrateira”, relembra. No mesmo dia em que começou a sentir febre, dor de cabeça intensa e mal-estar, o quadro se agravou durante a madrugada — e ele já não conseguia levantar da cama. A rápida piora e a evolução para sepse resultaram na amputação dos quatro membros.
Hoje, com quatro próteses, Pedro usa sua história para alertar sobre o risco da doença e a importância do atendimento emergencial. Sua recuperação, segundo ele, só foi possível por uma série de coincidências — entre elas, a presença inesperada da cunhada, médica pediatra, justamente na noite em que os sintomas se agravaram. “Se esse quadro permanecesse até o dia seguinte, eu não acordaria”, diz.
Por mais que a meningite possa afetar pessoas de todas as idades, os grupos de riscos são:
A vacinação é uma medida preventiva crucial, e o Calendário Nacional de Vacinação do Sistema Único de Saúde(SUS) inclui doses para crianças em idades específicas, como aos 2, 4 e 6 meses, com reforços posteriores, para proteção contra tipos específicos de meningite bacteriana.
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) inclui vacinas que ajudam a proteger contra vários agentes causadores da doença, como:
O negacionismo vacinal cresceu após a pandemia? Qual é a importância da vacinação para prevenir doenças como a meningite?
Sim, houve um aumento, embora ainda seja um grupo minoritário. Antes da pandemia, o Brasil tinha mais pessoas hesitantes — que não entendiam a importância de vacinar — do que negacionistas de fato, cerca de 4%. Depois da pandemia, esse grupo cresceu um pouco e ficou mais ruidoso, impulsionado pela desinformação que circula rápido nas redes. Como imunologia é um tema complexo, muitos profissionais acabam divulgando informações erradas, o que confunde ainda mais a população. Por isso, reforçar informação correta é essencial, especialmente no caso da meningite. A vacinação é uma das principais formas de proteção, reduz a circulação da bactéria e evita casos graves. No meu consultório, vejo que a maioria das famílias entende essa importância, mantém o calendário em dia e tem orgulho de vacinar seus filhos.
Por que o perfil da doença meningocócica mudou nos últimos anos?
A pandemia alterou o comportamento de circulação do meningococo. Embora bebês continuem sendo os mais afetados, logo após a reabertura houve um aumento em adolescentes e jovens — algo visto principalmente na Europa, mas também de forma pontual no Brasil. Isso pode estar ligado ao comportamento dessa faixa etária, que compartilha objetos e convive muito próximo. Houve também mudança de sorogrupo predominante: antes era o C; no pós-pandemia, passou a ser o B. Uma possível explicação é que temos mais pessoas vacinadas contra o C. O retorno mais lento da circulação bacteriana ainda não tem causa totalmente definida.
Em que situações a doença leva à amputação de membros?
A amputação ocorre nos casos de sepse grave. Durante o choque séptico, o corpo reduz o fluxo sanguíneo para as extremidades para preservar órgãos vitais. As drogas vasoativas usadas para manter o paciente vivo — como adrenalina e noradrenalina — também diminuem a circulação periférica. Isso pode causar necrose. Dependendo da gravidade, o paciente pode perder apenas parte dos dedos ou, em casos extremos, precisar de amputações maiores. Esse processo pode acontecer em outras infecções graves, não só na meningocócica
Marcos Gonçalves é pediatra e membro do Departamento de Alergia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), alergologista, imunologista e membro do Departamento de Imunoterapia da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia(ASBAI) e presidente da Sociedade Alagoana de Pediatria

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