

Consulta pública já registra mais de 62 mil participações; proposta do Ministério dos Transportes busca reduzir custos
Por Rafaela Bomfim - Correio Braziliense
A proposta do Ministério dos Transportes que cria um novo modelo de formação de condutores vem despertando atenção em todo o país.
Desde o lançamento da consulta pública, em 2 de outubro, mais de 62 mil contribuições foram registradas nas plataformas Participa + Brasil e Brasil Participativo. O prazo para envio de sugestões segue aberto até amanhã.
O projeto prevê a oferta gratuita do curso teórico, que poderá ser realizado presencialmente ou on-line, em plataformas do governo, instituições públicas de ensino, escolas de trânsito e autoescolas credenciadas.
A medida tem como objetivo ampliar o acesso à CNH, reduzir custos e flexibilizar a formação de condutores, especialmente para aqueles que enfrentam barreiras financeiras. Segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), aproximadamente 20 milhões de brasileiros dirigem sem habilitação.
Uma das novidades é a possibilidade de oferecer o curso teórico diretamente nas escolas de ensino médio, como atividade extracurricular.
Com isso, os estudantes poderão concluir parte das etapas obrigatórias antes de completar 18 anos, recebendo certificado válido nacionalmente que será registrado no Renach (Registro Nacional de Condutores) e poderá ser aproveitado futuramente no processo de habilitação.
Durante participação no programa Bom Dia, Ministro, o titular da pasta, Renan Filho, explicou que “a autoescola vai continuar porque vai ter alguém que não conseguirá passar na prova e precisará de apoio mais próximo. Aí faz a aula, se desejar”. O ministro destacou ainda que a obrigatoriedade atual funciona como uma “reserva de mercado” que encarece o processo e limita alternativas de aprendizado. “Se a gente desburocratizar isso, quebrar a reserva de mercado, a própria sociedade se organiza para formar as pessoas”, afirmou.

Segundo a Senatran, o debate alcançou cidadãos de todas as regiões do país. Até o momento, o Sul e o Sudeste lideram em número de participações, com 14.800 e 14.152 registros, respectivamente, seguidos pelo Nordeste (7.296), Centro-Oeste (2.140) e Norte (446). Entre os estados mais ativos, o Rio Grande do Sul se destaca com mais de 12 mil contribuições, refletindo a realidade local: o custo médio da CNH na região é de R$ 4.951,35 para as categorias de moto e carro.
Outros estados com forte participação são São Paulo (6.602), Ceará (3.765), Rio de Janeiro (3.610) e Minas Gerais (3.408). Atualmente, os valores para obter a habilitação variam de R$ 1.950,40 na Paraíba a quase R$ 5 mil em estados do Sul, o que pode exigir até oito meses e meio de trabalho das famílias do Norte e Nordeste que destinem 30% da renda mensal para custear o processo. Em São Paulo e no Distrito Federal, esse período cai para até dois meses.
O especialista em segurança de trânsito David Duarte reforça a importância de um modelo estruturado. Ele considera “louvável o diagnóstico e a intenção do governo federal de enfrentar o problema do número de pessoas que dirigem sem habilitação”, mas alerta que a execução exige cuidado. “A falta de formação adequada contribui para acidentes. É preciso manter coerência e garantir que o novo modelo seja bem estruturado, envolvendo Detrans e autoescolas”, afirmou. Duarte acrescenta que a pulverização do ensino e a atuação independente de instrutores podem comprometer fiscalização e padronização. “Não se destrói uma casa velha antes de construir uma nova. É essencial que exista um modelo formal. Caso contrário, em vez de melhorar, a situação pode até piorar”, alertou.
A proposta também tem forte caráter social, buscando reduzir a barreira financeira para a população de baixa renda. “O custo da habilitação, que chega a R$ 5 mil, é proibitivo para quem depende da moto para trabalhar. A iniciativa do governo em diminuir valores é positiva, mas precisa vir acompanhada de estrutura e fiscalização”, completou Duarte.
Após o encerramento da consulta, as contribuições serão consolidadas e avaliadas pela Senatran. O documento final será elaborado a partir das sugestões da sociedade e encaminhado ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran), responsável pela regulamentação das novas regras. A expectativa é que o órgão se reúna ainda neste ano para deliberar sobre as mudanças.
O projeto de CNH acessível integra um esforço mais amplo para melhorar a segurança viária. O Brasil registra entre 15 e 17 mortes por 100 mil habitantes, uma das taxas mais altas do mundo. Países como Reino Unido e Japão, que combinam flexibilidade na formação e rigor nas avaliações, mantêm índices entre 2 e 4,8 por 100 mil habitantes. O desafio central da proposta é equilibrar inclusão social, qualidade da formação e segurança no trânsito, levando o ensino de trânsito para as salas de aula e democratizando o acesso à primeira habilitação.
Crítica
O setor de autoescolas critica as mudanças. Marcus Viturino, vice-presidente do sindicato dos centros de formacao de condutores de veiculos automotores (Sindiauto) no Distrito Federal, afirma que “o projeto ameaça a sobrevivência de um segmento que gera milhares de empregos”.
Segundo a entidade, a minuta apresentada pela Senatran “acaba com a educação para o trânsito e leva todo o processo para aplicativos”. As empresas também alertam que haverá demissão em massa por todo o país, afetando mais de 300 mil profissionais e suas famílias.
“A proposta de acabar com as autoescolas não ameaça apenas empresas e famílias, mas toda a estrutura social e trabalhista do Brasil”, diz um manifesto divulgado nas redes sociais dos sindicatos.
*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula

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