Salvatore Cernuzio, jornalista do site Vatican News e do diário L’Osservatore Romano, relata que presos mostraram emoção sincera com a presença de Francisco e contaram suas histórias ao pontífice
Por Rodrigo Craveiro via Correio Braziliense
A saúde debilitada e a convalescença depois de uma dupla pneumonia que quase lhe custou a vida não foram obstáculos para que o papa Francisco cumprisse com parte de uma tradição anual.
O líder de 1,4 bilhão de católicos visitou, nesta Quinta-Feira Santa, a superlotada e deteriorada prisão de Regina Coeli, a maior de Roma.
Durante cerca de 30 minutos, ele se reuniu com cerca de 70 detentos, além de membros da direção e funcionários do sistema carcerário. “Cada vez que entro nestes lugares, me pergunto: por que eles e não eu?”, declarou aos jornalistas, que o questionaram através da janela de seu tradicional Fiat 500. “Vivo (a Páscoa) como posso”, acrescentou.
O centro penitenciário funciona em um antigo convento do século XVII e fica no bairro turístico de Trastevere. Neste ano, a tradição deixou de ser cumprida à risca por conta da condição de saúde do papa: Francisco não participou da cerimônia do lava-pés, em que repete o gesto de Jesus Cristo com seus discípulos. “Este ano, não posso fazê-lo, mas sim, eu posso e quero estar perto de vocês. Rezo por vocês e por suas famílias”, afirmou. Pela tradição cristã, a Quinta-Feira Santa relembra o momento em que Jesus realizou a Santa Ceia, antes de ser capturado, açoitado e crucificado.
Vaticanista do jornal italiano La Stampa e autor de dois livros-entrevistas com Francisco, Domenico Agasso admitiu ao Correio que o simbolismo da visita à prisão é “muito forte”. “No momento em que o papa está fisicamente exausto, ele ainda escolher sair e ir às periferias existenciais, como sempre tem feito. Também o faz na Quinta-Feira Santa, que lhe é particularmente cara: é o dia do serviço, da humildade, da proximidade”, explicou. “Visitar (a prisão de) Regina Coeli significa reiterar que ninguém está excluído da misericórdia de Deus, que mesmo aqueles que cometeram erros merecem atenção, dignidade e esperança. É um gesto que fala mais alto do que mil discursos: o papa, mesmo em sua fragilidade, continua a doar de si.”
Na opinião de Agasso, Francisco ensina uma lição de caridade. “Ele fala não apenas aos prisioneiros, mas a todos os peregrinos e fiéis do mundo: lembra-nos que a caridade não é um conceito abstrato, mas uma ação concreta. É um ir ao encontro dos outros, daqueles que estão mais sozinhos, rejeitados ou sofrendo”, observou. O vaticanista vê coerência no gesto, ao lembrar que Francisco sempre colocou a misericórdia, o serviço e a proximidade no centro. “Ele está dizendo que a missão não para e o Evangelho é anunciado mesmo na fraqueza.”
O também vaticanista Salvatore Cernuzio, jornalista do site Vatican News, do L’Osservatore Romano e da Radio Vaticana, acompanhou a visita de Francisco à penitenciária. Ele contou ao Correio que o papa “mostrou uma grande força física, mas também sua principal vocação: ser padre e pastor”. “Ele organizou a visita em menos de 24 horas, apesar da doença e da convalescença. É um sinal de que, antes da cura do corpo, o papa se aproxima do povo”, comentou. Cernuzio acredita que a agenda de ontem do pontífice faz parte de sua jornada de cura. “Não é só a fisioterapia, a terapia médica, mas também esse ‘estar ali’ faz bem a um papa que sempre disse que nunca queria ficar isolado e que fez da cultura do encontro a marca registrada do seu pontificado”, explicou.
“O que mais me marcou foi a emoção sincera de muitos prisioneiros. Eles gritaram tão alto que a voz do papa mal podia ser ouvida. Em minutos, contaram a Francisco suas histórias, reclamaram sobre estarem longe de casa ou sobre uma detenção que consideravam injusta. Eles queriam falar com alguém. Um preso me disse: temos sorte, as pessoas de fora não podem ver o papa e nós, presos aqui, podemos”, relatou Cernuzio.
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