

Todos os portadores de permissão de entrada — estudantes, trabalhadores ou turistas — poderão ter seus documentos revisados
Por Vanilson Oliveira - Correio Braziliense
criação de dificuldade para a obtenção do visto de entrada nos Estados Unidos ou mesmo a possibilidade de suspensão de vistos já concedidos, anunciadas em agosto pelo presidente Donald Trump, podem impactar ainda mais a economia dos Estados Unidos. Em setembro, uma pesquisa feita pela Tourism Economics apontou que o país terá uma queda de 8,2% no número de chegadas internacionais até o fim do ano. Para especialistas, os impactos podem ultrapassar a economia e atingir a imagem do governo Trump, arranhada pelos recentes tarifaços impostos a produtos de vários países.
Entre os novos pontos que dificultarão a obtenção do tão sonhado carimbo americano está a implementação do teste de civismo para naturalização em 2025, publicado pelo Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA (USCIS). O teste vai avaliar, por exemplo, a compreensão do estrangeiro sobre a história e o governo dos EUA. Segundo o Departamento de Estado (correspondente ao nosso Ministério das Relações Exteriores), todos os portadores de visto americano — estudantes, trabalhadores ou turistas — poderão ter seus documentos revisados, independentemente da categoria, estando em solo norte-americano ou não.
A triagem do USCIS vai avaliar também outros fatores, como o bom caráter moral e que tipo de contribuição positiva o estrangeiro promove ou promoveu para a sociedade americana, em vez de buscar condutas consideradas inadequadas. Desde que o governo Trump intensificou as políticas de imigração, 2.268 brasileiros foram deportados para o Brasil até 1º de outubro, em operações que envolveram 24 voos. Segundo o último levantamento feito pelo Itamaraty, em 2024, cerca de 1,9 milhão de brasileiros viviam nos Estados Unidos de forma legal ou ilegal.
Para o cientista político Leonardo Paz Neves, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a decisão de revisar vistos já concedidos pode acarretar ainda mais impacto negativo ao turismo do país. “Este ano, os Estados Unidos receberam menos turistas que no ano passado. E isso significa perda de dinheiro, de receita. Em países como Espanha e França, por exemplo, uma boa parte do Produto Interno Bruto (PIB) vem do turismo, e com os Estados Unidos não é diferente”, frisou ele, destacando que o país é um importante destino turístico no mundo, tanto para quem viaja a lazer quanto para quem vai à trabalho, estudos ou para fazer negócios.
Ele ressaltou que a medida pode dificultar os profissionais de tecnologia qualificados que sonham em trabalhar no Vale do Silício, por exemplo. Ele acredita que, se a política de endurecimento migratório continuar, pode gerar muitos impactos negativos na economia norte-americana. Ele citou o aumento da taxa para solicitação do visto H1B, para profissionais altamente qualificados, que custava US$ 8 mil (R$ 44 mil) e passou para US$ 100 mil (R$ 550 mil). “É muito caro e difícil de se obter esse tipo de visto e isso acaba levando esses profissionais a procurarem oportunidades em outros países”, comentou.
Paz Neves demonstrou preocupação, afirmando que as barreiras podem atingir quem já detém o “green card”, cobiçada autorização de moradia permanente e de trabalho. “Tem pessoas que estão há 8, 10 anos morando e trabalhando nos Estados Unidos e, de repente, precisam sair do país. Se a pessoa for solteira, o problema é menor, mas, se lá tiver constituído família, com esposa e filhos, por exemplo? Não é fácil mudar de país e recomeçar”, frisou ele, lembrando que os EUA, com uma taxa baixa de natalidade, aos poucos, estão perdendo sua população.
O cientista político Rudá Ricci destacou que os EUA vivem uma situação delicada e que acabam usando a defesa do mercado interno e da segurança do país como bandeiras. Por outro lado, ele disse que cabe ao Brasil não entrar em confronto com esse tema ou qualquer outro que possa causar mal-estar. Ricci explicou que, agora, o tema mais importante é negociar as tarifas das exportações. “Do lado do Brasil, o momento atual é de redução das tarifas. Eu não acredito que o governo caia na armadilha de ficar contestando logo de cara essa decisão do Trump de dificultar a ida de brasileiros, a permanência de brasileiros nos Estados Unidos, porque a questão maior neste momento e que está em processo de negociação é a redução das tarifas, principalmente a do café”, acrescentou.
Para especialistas, a estratégia, embora anunciada como ferramenta de proteção social e segurança interna, tende a gerar efeitos colaterais negativos em áreas estratégicas como turismo, inovação, mercado de trabalho, comércio global e imagem internacional. O economista Davi Lelis, da Valor Investimentos, explicou que o pensamento do governo norte-americano de associar a entrada de imigrantes ao aumento de gastos em saúde e assistência pública acaba ignorando a real importância dos estrangeiros na economia.
“Quando você tenta diminuir potenciais gastos públicos com a entrada de pessoas de fora, você gera, sim, uma economia no curto prazo, evitando que essas pessoas sejam atendidas, mas ignora que esses imigrantes também são consumidores, também são estudantes, também são trabalhadores. Eles movimentam muito o setor econômico americano”, ressaltou.
Lelis afirmou, ainda, que a decisão americana põe em xeque uma principais vantagens históricas dos Estados Unidos, que é a capacidade de atrair talentos globais para áreas estratégicas, como inteligência artificial, engenharia, pesquisa biomédica e inovação de ponta. “Quando o país cria barreiras com critérios mais subjetivos e restringe capital humano de alta qualidade de entrar no país, começa a erodir a própria capacidade de sustentar um crescimento de longo prazo”, explicou, lembrando que boa parte do Vale do Silício foi impulsionada por imigrantes, responsáveis pela fundação de empresas como Google, Tesla, Nvidia, Intel e Moderna.
Ele disse ainda que as ações podem gerar pressões inflacionárias e até reduzir a oferta de trabalho, elevando custos de produção, por exemplo. “Menos gente entrando vai ter uma consequência ruim de ter uma dinâmica econômica mais rígida, principalmente na oferta. Isso cria um terreno muito propício para a alta dos preços”, alertou Lelis, reforçando que tal dinâmica pode retardar a queda dos juros conduzida pelo Federal Reserve e comprometer a recuperação econômica do país.
O escritor e economista Masimo Della Justina acredita que os impactos na economia são imediatos. Segundo ele, “um brasileiro a passeio nos EUA tende a gastar, no mínimo, US$ 250 (R$ 1,3 mil) por dia em hotelaria, alimentação e transporte”, sem incluir compras, ingressos e passeios turísticos. E o endurecimento das regras de visto representa, portanto, perda direta de renda para setores que dependem do gasto estrangeiro, como hotelaria, comércio, entretenimento, locadoras de veículos, aplicativos de transporte, guias turísticos e postos de combustível.
“Um país construído por imigrantes durante 250 anos não pode mostrar aversão por estrangeiros, muito menos para visitantes temporários”, concluiu.

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